segunda-feira, 4 de abril de 2011

Não se deve castrar uma mente criativa

VITOR MANUEL TAVARES MARTINS*



" Era uma vez uma galinha branca que punha ovos azuis...

Ovos azuis? - reclamou a professora, indignada, interrompendo a leitura da minha redacção, enquanto a turma se agitava em risinhos de troça e segredinhos maliciosos.

Ovos azuis, sim, senhora professora - respondi eu. - A minha galinha põe ovos azuis.

A menina está a brincar comigo? Já viu alguma galinha pôr ovos azuis? Sente-se imediatamente e faça já outra redacção.

Voltei para o meu lugar, de cabeça erguida, enfrentando a galhofa da turma.

Não baixei os olhos. Apenas os senti escurecer, num desafio.

Durante o recreio fiquei na aula, de castigo. Mas não fiz outra redacção.

Quando, depois do "toque", a professora me chamou para que lesse em voz alta a Segunda versão, comecei:

Era uma vez uma galinha branca que punha ovos brancos, só porque não a deixavam pôr ovos azuis..."



Maria José Balancho



Este pequeno texto ilustra exemplarmente uma forma de se aniquilar a capacidade criadora. Aquela professora reprimiu a propensão fantástico-imaginativa da criança, bem como a sua auto-estima, e perdeu uma bela oportunidade de estimular ainda mais a imaginação e de favorecer a emergência de uma atitude e sensibilidade positivas, favoráveis ao próprio potencial criador. Presa nas malhas de um realismo redutor e anafado, possivelmente vítima da sua formação behaviorista, formatada pela rigidez dos modelos comportamentais sociais e escolares do dia-a-dia rotineiro, a docente não foi capaz de perceber que, como escreveu R. Marin, a criatividade é o princípio dos princípios da Educação Moderna. Não se predispôs a entender que a criatividade deve estar no topo das intenções pedagógicas. Podendo funcionar como meio e/ou como fim (ver "Visão Integrada de um Projecto de Educação Criativa"), a criatividade deverá ser desenvolvida de forma sistemática, com carácter disciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar, por forma a evitar que "o professor seja o arado ferrugento e a turma a terra árida que não consente ser lavrada". (BALANCHO e SANTOS, 1992)

Nenhum comentário:

Postar um comentário